Alunos do Ensino Médio do Santa Maria trabalharam em grupo, como uma equipe médica, para realizar estudo de casos reais e assim, com empolgação extra, aprender conceitos complexos de Protozooses.
Autoria: Jomil Sales, professor de Biologia do Ensino Médio do Colégio Santa Maria.
Diante da pandemia e da nova realidade que se instaurou no mundo, professores e estudantes viram-se obrigados a passar por um processo brusco de adaptação. Além de privar crianças e adolescentes do convívio social, fez com que alunos se tornassem espectadores dos conteúdos diários da sala de aula.
Dentre as muitas adaptações trazidas pelo ensino remoto, desinteresse e desmotivação do estudante não estão entre elas, afinal, estes dois fatores, somados a distração e desatenção, são problemas enfrentados por professores desde sempre.
Sou professor de Biologia e sei que não existe nada mais tedioso para um aluno desinteressado aprender ou saber o que são basidiomicetos, fagocitose, haplodiplobionte, entre outras palavras que não são parte de seu vocabulário e não fazem sentido algum a ele.
Considerando os problemas antigos que nós, professores, enfrentamos, e com o intuito de tornar meus alunos envolvidos com a aprendizagem de Biologia, lancei mão do método de ensino ativo conhecido como Aprendizagem Baseada em Equipes (ABE) durante o ensino remoto no Santa Maria para despertar o imaginário dos estudantes, estimular a fantasia da profissão e tirar o aluno da zona de conforto, escondido atrás do computador.
Para quem não é familiarizado, a ABE é uma estratégia educacional que tem sido utilizada na formação de profissionais de saúde para o desenvolvimento de competências básicas, como responsabilização do aluno pela aquisição de seus próprios conhecimentos, tomada de decisão, trabalho em equipe e eficiência.
Estudo de casos reais
Para isso, na aula de Protozooses, em que normalmente é discutida e ensinada juntamente com os reinos biológicos, mais precisamente o Reino Protista, criei diversas situações-problema, simulando um estudo de caso real dentro da área da saúde. Os alunos viram-se como uma equipe médica, desvendando dicas para chegarem a um diagnóstico clínico.
As equipes de trabalho receberam materiais distintos, contendo as seguintes informações:
“Paciente F.J.S. (iniciais do nome para preservar o paciente) do sexo masculino, 32 anos, divorciado, heterossexual, natural de Salvador, BA, residente em Monte Dourado há dois anos, porém com várias viagens ao sul do país, foi internado no Hospital Geral de Monte Santo em novembro de 2017 com astenia, febre irregular e edema de membros inferiores há 15 dias. Quatro meses antes, ele havia apresentado um quadro pneumônico diagnosticado como tuberculose ao raio X de tórax e pela baciloscopia. Nessa época, anticorpos anti-HIV foram detectados pelo Elisa e confirmados pela imunofluorescência (HIV-positivo).
Foi inicialmente tratado por questões secundárias pulmonares em decorrência do HIV. Nos três meses seguintes, houve melhora do quadro pulmonar, todavia com importante perda de peso (10kg) e diarreia intermitente. Na admissão em novembro/1990, encontra-se com estado geral regular, descorado, ictérico.
O paciente evoluiu com anemia importante, sendo necessário o emprego de transfusões sanguíneas. Um mielograma revelou inúmeras formas amastigotas na amostra da medula óssea.”
O relato de caso do paciente estimula os alunos a pesquisarem palavras desconhecidas ao seu vocabulário, sem associar o termo ao tédio de uma aula convencional de Biologia. Formas amastigotas, por exemplo, passam a ter um significado e não somente como um termo isolado no meio da aula sobre protozoários.
Em seguida há uma contextualização da situação do paciente, dando mais dicas sobre o diagnóstico final:
“Monte Dourado é um pequeno distrito do município de Abaíra, localizado no norte da Bahia. Praticamente no meio da Mata Atlântica o vilarejo passou por um surto de uma doença que levou certo tempo para ser identificada pelos médicos da região. O vilarejo não possuía hospital ou posto de saúde, portanto, os pacientes precisavam se deslocar até o município mais próximo para serem tratados.
Grande parte dos pacientes foi ao hospital mais próximo com queixas semelhantes de sintomas como: febre irregular, prolongada; anemia; indisposição; palidez da pele e/ou das mucosas; falta de apetite; perda de peso; inchaço do abdômen devido ao aumento do fígado e do baço. Uma criança de 10 anos apresentou sintomas graves da doença, tendo vários órgãos internos acometidos, principalmente o fígado, o baço e a medula óssea, os sintomas duraram por oito meses.
Os médicos não sabiam do histórico dos pacientes e também não conheciam a realidade do distrito de Monte Dourado. Após investigação, foi diagnosticado que o vilarejo passava por um grave problema de superpopulação de cachorros. Os animais viviam pelas ruas do vilarejo e atraíam uma mosca popularmente conhecida como mosquito palha.
A possibilidade de transmissão hídrica por meio do sistema de distribuição de água local foi descartada, já que o sistema é inacessível aos cachorros. Os indivíduos doentes foram tratados nos serviços de saúde do município mais próximo. As autoridades sanitárias locais foram orientadas a implementar medidas de controle dos cachorros errantes, visando prevenir novos casos ou surtos.”
Para a análise dos relatos de caso, cada grupo foi direcionado para uma sala de aula virtual, onde o professor circulava entre essas salas para fazer o papel de tutor, encaminhando o estudo e as pesquisas. O resultado final foi positivo, o envolvimento dos alunos foi superior ao esperado, podendo-se observar a empolgação entre os colegas discutindo se já haviam desvendado o diagnóstico médico.
Felizmente, o final do projeto coincidiu com o retorno parcial das aulas, o que proporcionou aos alunos que estavam no sistema presencial fazer a apresentação dos seus estudos de caso, mostrando aos colegas qual o diagnóstico, quais os sintomas e como tratar a doença. Após as pesquisas e apresentações, finalizei o assunto protozooses com uma sequência de aulas explicativas, que visivelmente teve um maior envolvimento por parte dos alunos que já estavam envolvidos com os novos termos e se sentiam conhecedores do novo conteúdo.
Ao fim do projeto, o principal objetivo dos estudos de caso foi criar ferramentas e condições adequadas para formar estudantes críticos, reflexivos, éticos e humanizados, capazes de trabalhar de forma colaborativa e com sentido de responsabilidade social. Com criatividade, empenho e utilizando novas metodologias de ensino, como a ABE, somos capazes de trazer novamente o aluno para o centro da sala de aula, tornando-o protagonista na construção do seu conhecimento.