Uma experiência com estudantes da 2ª e 3ª séries resgatou a habilidade de reconhecer a importância da biosfera
Autoria: Jomil Costa Abreu Sales – Professor de Biologia
A maioria das pessoas acredita que basta meramente abrir os olhos para observar todos os detalhes de um ambiente. Ver e enxergar não são somente verbos distintos; há evidências científicas que demonstram que o olho humano, durante a percepção visual, gera mais de 10 milhões de bits de dados por segundo, enquanto nosso cérebro é capaz de processar aproximadamente 40 bits por segundo para a nossa visão consciente.
Cegueira verde ou cegueira botânica são expressões atualmente utilizadas no meio acadêmico para descrever a inabilidade das pessoas em verem e perceberem as plantas no meio ambiente em que estamos. As pessoas “afetadas” pela condição da cegueira botânica são acometidas por sintomas como: pensar que as plantas são meramente um cenário de fundo para os animais, apresentam dificuldades em notar ou prestar atenção nas plantas do seu dia a dia, não compreendem que a vida na terra depende das plantas e não reconhecem a importância para a biosfera.
É cada vez mais comum que jovens, principalmente os que vivem na cidade, sequer saibam reconhecer legumes ou frutas que fazem parte do seu cotidiano. Aparentemente inofensiva, a cegueira botânica pode ter graves consequências para as questões ambientais futuras. A atual geração, se não aprender a observar e interpretar a beleza cênica de uma paisagem verde, pode dar origem a uma sociedade que não atenta para o ambiente como um todo e, provavelmente, terá sérias consequências relacionadas aos seus recursos naturais.
Faça um teste rápido. Feche os olhos e pense em uma cédula de cinco reais. Tente reproduzi-la mentalmente, como se fosse desenhá-la em uma folha de papel. Quais detalhes você lembrou? É muito mais fácil lembrar dos animais das cédulas de dinheiro. Não é? Onde está a planta da cédula?
Pode ter passado despercebido, mas todas as cédulas de Real, além dos animais, possuem exemplares da flora brasileira; a nota de R$ 5 reais apresenta a flor de vitória-régia.
Diante dessa abordagem e da importância do tema, faço mais uma pergunta a você, leitor. Você acha que o ser humano “fecha os olhos” ou negligencia as plantas?
Em um estudo realizado por Baird, Lazarowitz e Allman (1984) em turmas da 4a, 5a, 6a e 7a séries de diversos colégios dos Estados Unidos, revelou que os estudantes eram duas vezes mais interessados em animais do que em plantas. Em 2005, Lindemann-Matthies chegou à mesma conclusão, em um outro estudo na Suíça.
Diante da importância de acabar com esse potencial risco ao verde e, no intuito de desvendar um mundo quase secreto para a maioria dos estudantes, busquei desenvolver uma série de cinco aulas práticas sobre o Reino das Plantas, apresentando aos alunos os diferentes tipos de plantas, onde são encontradas e como surgiram evolutivamente.
As aulas demonstraram os musgos (Briófitas), samambaias, avencas (Pteridófitas), pinhas (Gimnospermas) e hibiscos (Angiospermas); além do conteúdo conceitual, falamos onde são localizados, como se reproduzem e qual a história evolutiva e importância dessas espécies.
Observar os musgos ao microscópio, que são quase invisíveis no nosso dia a dia, localizados abaixo da grama do jardim do colégio, compreender seu papel evolutivo e sua função no ecossistema foi o início para esse despertar. Na foto vemos a observação dos musgos e sua respectiva explicação à lousa.
As samambaias que estão espalhadas pelo colégio nunca foram notadas; ao serem observadas no laboratório, os alunos ficaram encantados pelas estruturas reprodutoras de esporos. Ao passarem a mão na base da folha de uma samambaia e sentirem os esporos, “pozinho” como foi chamado por alguns estudantes, eles começam a ter a percepção do universo das plantas. Basta um único grão desse “pozinho” para dar origem a uma nova samambaia.
Aumentadas na lupa estereoscópica, essas estruturas parecem muito mais atraentes: “minhoquinhas se mexendo, professor”, disse um aluno. Se refere às estruturas do esporângio, quando se abrem para liberar os esporos.
As pinhas, abundantes em todo o colégio, também foram observadas com outros olhos. A formação das suas sementes e como são espalhadas foram observadas na prática.
A importante habilidade de se abrir para novas experiências está na capacidade de permitir-se observar e notar que existe vida em todos os cantos da cidade. Apesar de todo o concreto de São Paulo, nossos estudantes devem se perceber como parte do meio ambiente. Notar o ambiente nos livra da cegueira botânica e também à compreensão de que o homem não está no centro de tudo, mas faz parte de um todo.
Dentro das Ciências da Natureza, a Biologia sempre manteve uma relação importante da utilização dos fenômenos naturais com o ensino de Ciências, por essa razão, vemos a inquestionável importância do trabalho prático nas disciplinas de Ciências e Biologia, ocupando agora um lugar de destaque dentro da nova proposta do Ensino Médio.
De acordo com as palavras de Paulo Freire, “Trata-se de aprender a ler a realidade (conhecê-la) para em seguida poder reescrevê-la (transformá-la)”.
Referências Bibliográficas
BAIRD, J.H., LAZAROWITZ, R. & ALLMAN, V. (1984). Science choices and preferences of middle and secondary school students in Utah. Journal of Research in Science Teaching, 21, 47-54.
LINDEMANN-MATTHIES, P. (2005). ‘Loveable’ mammals and ‘lifeless’ plants: How children’s interest in common local organisms can be enhanced through observation of nature. International Journal of Science Education, 27(6), 655–677.
Crédito das imagens
Cássio Pereira – Técnico de laboratório