No enfrentamento da pandemia, como em qualquer outra situação, comunidade escolar e corpo docente são chamados à responsabilidade de representantes do mundo.
Autoria – Adilma Secundo Alencar, professora de Literatura do Ensino Médio
Estamos há mais de um ano vivendo a experiência de uma pandemia, que nos afetou profundamente. Há quem diga que a Covid-19 marcará historicamente o início do século XXI, outros acreditam que sairemos desse nevoeiro melhores, mais solidários. As deduções são também o desejo de tentar prever o que diremos daqui a alguns anos. Por enquanto, o que temos é a realidade “mais real do que qualquer sentimento”, como nos disse Alberto Caeiro. E ela não tem sido solidária.
Diferente da realidade solar do heterônimo mais terno de Fernando Pessoa, o que temos é um conjunto de pessoas fragilizadas pelo confinamento do último ano, amedrontadas com a voracidade do trabalho que anda mastigando nossas melhores horas de amor. Dentro da experiência do luto, do medo e da dor, à qual nossa vida é colocada à prova diariamente, ensinar exige fôlego, força e uma teimosia frequente, visto que nos convoca a olhar a face nefasta do mundo e tentar acreditar no poder de transformação que ainda resiste em algum lugar dentro de nós.
A filósofa Hannah Arendt, no livro Entre o Passado e o futuro, nos diz que o “educador está aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade”. Ainda sobre educação, ela afirma que “qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não deve ter crianças”. Na reflexão da pensadora, corpo docente e comunidade escolar são chamados à responsabilidade de representantes do mundo, visto que apresentaremos essa sociedade à juventude.
Não é confortável essa responsabilidade. O mundo armado, medíocre e virulento no qual vivemos não é o melhor dos cenários, mas é dolorosamente nosso e não podemos nos acovardar diante do que vivemos se desejamos que prospere uma geração de pessoas mais justas, mais solidárias e mais corajosas que nós.
A volta às aulas presenciais, ainda que tímida pela justa necessidade de zelar pela vida, provocou uma euforia dentro de nossos corpos, era como uma estreia. Ouvi de estudantes e docentes do Santa Maria da alegria e também do medo diante do retorno ao espaço físico da escola. Uma coisa frágil foi estilhaçada no último ano, será preciso entender melhor que coisa é essa e reinventar o que foi um dia a escola. Muitos jovens envelheceram demais durante um espaço de tempo muito curto. Será preciso questionar o relógio, reencontrar nosso corpo e olhar para o que é feio no mundo.
É preciso coragem, inclusive para assumir que também não temos respostas, temos força para reconstruir nossa confiança, mas sem a honestidade de dizer que somos, sim, responsáveis pelo mundo que temos, só vai nos restar um cinismo amarelo. Por isso, retomar as atividades escolares é sobretudo repensar o que significa um conviver e qual a responsabilidade que a escola pode assumir no âmbito público, do qual é parte fundamental.