Estudos apontam que as pessoas aprendem mais e melhor quando estão ensinando, praticando ou discutindo, fundamentos das chamadas metodologias ativas. Para entender como a teoria funciona na prática, veja o exemplo de uma atividade realizada no Ensino Médio.
Autoria – Jomil Costa Abreu Sales, professor de Biologia do Ensino Médio
Meses de isolamento sob constante estresse, dúvidas e incertezas, a pandemia pegou toda a população de surpresa. Para a comunidade escolar, o período de adaptação inicial foi difícil: pais, alunos e professores foram obrigados a se ajustar ao novo modelo de ensino. Diferente do que esperava, práticas de ensino diferenciadas mostraram-se capazes de estimular o interesse dos alunos pelo aprendizado mesmo à distância.
Desafiado duplamente, eu, professor do ensino superior há três anos, aceitei o desafio de lecionar Biologia para o Ensino Médio no início de 2020. Recém-chegado ao Colégio Santa Maria, me deparei com dois obstáculos: o primeiro, já esperado, eram os próprios alunos – adolescentes cheios de energia, incertezas e inquietações. O segundo, a pandemia. Com menos de dois meses de aulas presenciais, fomos obrigados a nos distanciar fisicamente e, a partir desse momento, surgiram minhas inquietações de professor: Como fazê-los aprender Biologia? Como cativá-los?
Em uma proposta de atividade interdisciplinar, eu e o professor de Química, Maurício Rodrigues, propusemos aos alunos da 2ª série do Ensino Médio o Projeto Química Vida e Ambiente, uma atividade interdisciplinar utilizando o método de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) no ensino dos Ciclos Biogeoquímicos.
Pensando nas vantagens que o ensino remoto oferece ao professor, primeiramente pensei em eliminar barreiras. Os alunos gostam de estar em grupos, discutir, debater, falar besteiras e tudo isso foi negado a eles a partir do momento em que se iniciou o isolamento. Então por que a restrição de trabalho e estudo somente entre os colegas da mesma classe? Amizades não respeitam os limites da sala de aula. Com esse pensamento e com o intuito de melhorar o desempenho nas atividades, permiti que os alunos trabalhassem com colegas de diferentes salas, todos misturados, o que seria impossível em um trabalho convencional e presencial.
O projeto foi baseado em situações-problema direcionadas a um estudo de caso, relacionando os Ciclos Biogeoquímicos da Água, do Carbono, do Oxigênio, do Nitrogênio e do Fósforo. Os estudos trataram de situações hipotéticas, porém em um local real, a Área de Proteção Ambiental da Represa de Itupararanga, localizada no interior do Estado de São Paulo, na região metropolitana de Sorocaba. Foi fornecido para cada grupo um “dossiê” com dados sobre o local, mapas e informações auxiliares para a solução dos problemas ambientais que deveriam ser fundamentadas nos conceitos da Química e da Biologia.
Um dos casos apresentados aos alunos foi o da população de um município vizinho à represa que desenvolveu problemas respiratórios em decorrência das queimadas. Os grupos responsáveis em trabalhar com o Ciclo do Carbono tiveram que propor soluções para essa situação. Esperava-se que os alunos discorressem sobre temas como respiração celular e fotossíntese relacionando a solução do problema como, por exemplo, a recuperação das florestas queimadas. Outros casos envolveram poluição, contaminação por agrotóxicos, envolvendo eutrofização, entre outros.
Os alunos apresentaram o produto final na forma de vídeos, com apresentação das soluções dos problemas e também das explicações conceituais correspondentes. O resultado foi fantástico. Tivemos vídeos simulando um noticiário, com direito a repórter e jornalistas, animações utilizando o jogo de videogame Minecraft e animações com personagens autorais.
Apresentação sobre o Ciclo da Água: o personagem Sr. Quí explica a interação da água com o planeta e todo o ciclo hidrológico.
Ciclo do Fósforo explicado em recortes e colagens
Para discutir os efeitos da ação dos agrotóxicos nos corpos hídricos um grupo utiliza o jogo Minecraft para explicar os conceitos envolvidos no Ciclo do Fósforo.
A aluna Ana Carolina Saito, aluna da série, comenta sobre o desenvolvimento da atividade: “Como aluna, acredito que o ensino baseado em problemas é um método bastante interessante para as pessoas que realmente querem aprender. Ao trabalhar a matéria do nosso currículo junto de uma situação próxima à realidade, o que aprendemos torna-se mais palpável, podemos olhar para uma aplicação prática e avaliar o impacto do que nos mostram na nossa vida e ao nosso redor. O nosso dia a dia é feito de resolver problemas, assim a curiosidade nos move. Dessa forma, para mim, é bastante feliz a possibilidade de exercitar a habilidade de pensar no ambiente escolar”.
Na opinião da aluna Isabela Leite, “O conteúdo de fato tinha uma utilidade prática que afeta a minha vida diretamente”. Ela ainda acrescentou: “Sabe aquela expressão que todo aluno já disse pelo menos uma vez na vida: ‘Mas para que eu vou usar isso na minha vida?’, com o trabalho que fizemos empregando o método de trabalho baseado em problemas, eu finalmente consegui uma resposta a essa pergunta. […] Como o trabalho foi também interdisciplinar, ele não permitiu só a conexão da matéria com o meu cotidiano, mas também a relação entre matérias diferentes, algo que sempre é muito legal, pois tira a nossa impressão de que o conhecimento é separado entre humanas, exatas e linguagens, quando na verdade não é”.
A aluna Rebeca Guimarães faz o papel de repórter para explicar o estudo de caso do Ciclo do Fósforo.
Para Rebeca, “O trabalho foi muito eficiente porque fez com que tivéssemos um ponto de vista mais amplo sobre as áreas (Biologia e Química) e principalmente sobre o trabalho em si. Durante o trabalho foi muito interessante ver como tudo está conectado no ciclo da vida, principalmente a partir do momento em que o grupo teve que pesquisar etapa por etapa e, ao fazer isso, vimos como temos que cuidar dos ciclos da melhor maneira principalmente porque estamos diretamente ligados e dependente deles. Uma das melhores partes foi a relação do trabalho com a nossa vida e o nosso país, porque fomos ambientalistas durante o trabalho e tivemos que estudar os tópicos e trazer soluções. Foi uma experiência muito inovadora, porque nos coloca em um lugar muito difícil onde as soluções não são fáceis de se tomar, ainda mais em questões ambientais”.
Em meio à pandemia, a distância física estreitou os laços entre alunos e professores, e hoje sinto que consegui alcançar meu objetivo de colocar os alunos como protagonistas do seu próprio aprendizado. Missão cumprida!