Vivência de campo revela problemas da capital e desperta senso crítico em estudantes de nove anos.
Autoria – Renata Ferrari, professora do 4º ano do Ensino Fundamental do Colégio Santa Maria
“Estudar não é um ato de consumir ideias, mas de criá-las e recriá-las” – Paulo Freire
Apresentar o óbvio aos estudantes é tarefa simples, não é mesmo? Aquilo que é de fácil entendimento conforta o manejo das informações, os objetivos da aula serão alcançados, os alunos viverão experiências de um pseudo-sucesso e caminharemos na toada do consumo de ideias…
Esta é uma roupa que não nos serve mais: há alunos que pedem mais, merecem mais, precisam de mais… É urgente que a escola torne o óbvio em objeto de reflexão para que possamos avançar na transformação do meio em que vivemos.
Então, recomeçaremos o texto assim: Apresentar o óbvio aos estudantes é tarefa desafiadora!
Um ótimo exemplo
É mais do que sabido que São Paulo possui problemas com emaranhados de outros problemas, a ponto de o cidadão pensar que tudo aquilo não lhe toca, não lhe pertence. Para refletir a respeito, colocamos o 4º ano numa vivência de campo. Era o momento de aproximar a própria realidade com outras, diferentes daquelas que esperamos que sejam ideais (e reais). Dentre tantos problemas que os estudantes encontraram no trajeto até a escola, um deles reverberou fortemente em nossa partilha de registros. Veja só o que encontraram pelo caminho do consumo de conhecimento…
Eduardo Samuel Lopes
Matheus Monaco
Aline Freitas
Descobertas
Nos parece óbvio que este problema seria retratado nesta análise de realidade, mas passava longe da cabecinha dessas crianças, no alto dos seus nove anos de idade, que as pessoas que vivem nesses endereços permanecem ali independentemente da chuva, da violência ou da ajuda alheia (que às vezes vem, outras não).
Os alunos elegeram este como o problema que mais incomoda a sua consciência cidadã, pois eles se enxergam impotentes, por sua idade, em mudar o destino dessas pessoas solitárias ou famílias inteiras, mas se sentem capazes de pensar novas formas em lidar com a dimensão de tudo que fotografaram.
Comentário sobre o fato/experiência vivida:
“Dar dinheiro ou comida resolve aquele momento e olhe lá! O dinheiro pode comprar qualquer coisa e a comida pode ser a única do dia! É melhor a gente pensar em outra coisa para ajudar, porque já teve um homem que a minha mãe quis ajudar e ele não aceitou se não fosse dinheiro!” – Lucas Felix, dentre tantos outros comentários sobre o fato.
Comentário sobre a responsabilidade social:
“Conheço grupos de pessoas que se organizam e fazem marmitas para doação em um ponto da cidade. Pode ser melhor assim, porque ajuda mais gente de cada vez! E as pessoas que moram na rua já saberiam onde encontrar comida! – Mariana Marques, sugerindo uma mudança na ótica do que se entende por ajuda (mobilização organizada).
Comentário sobre a responsabilidade política:
“Por que a gente não sabia do número de atendimento que a prefeitura da cidade tem para avisar onde há pessoas morando na rua? Esse número tinha que ser mostrado na televisão para a gente ligar!” – Lorenzo, bastante incomodado por não ter tido acesso fácil a uma informação, afirmando que, se não fosse a escola, talvez, ele não soubesse nunca disso.
Vale citar que todos os registros produzidos foram partilhados e agrupados por assunto, cada um deles acompanhado por um questionamento. Resultado metodológico: turma mobilizada em trocar pensamentos, concordando ou não com o outro, promovendo o exercício do diálogo.
Aí está a recriação do óbvio! A aprendizagem renderá frutos no futuro, mas se faz de um presente de pensar diferente, que imprime o meio do caminho e não o fim da linha. A manifestação de sonhar com maioridade para terem autonomia e organizarem novas formas de auxiliar a cidade é um suspiro de germinação!