Educação em Pauta

Promovendo a saúde mental na escola

Ações conjuntas criam um ambiente seguro e acolhedor para que as relações sociais sejam saudáveis

Autoria: Alessandra Seidenberger – Departamento de Comunicação do Colégio Santa Maria

A saúde mental é uma preocupação crescente no mundo contemporâneo e  um pré-requisito relevante para crianças e adolescentes em idade escolar conviverem em harmonia e de maneira empática.

Um estudo feito pela Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2020, com estudantes do Ensino Fundamental e Médio, revelou que 10,5% tinham sintomas de depressão e 16,4%, de ansiedade.

Outra pesquisa nacional de 2018, realizada pela Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), com adolescentes entre 14 e 17 anos, apontou uma prevalência de 30,1% de sintomas de ansiedade e 29,3% de sintomas de depressão.

Os números demonstram que o problema é anterior à pandemia de Covid-19. O ambiente escolar pode ser um lugar com interações sociais desafiadoras, onde a “luta” por aceitação e pertencimento é constante. Por essa razão, é crucial que as escolas desenvolvam programas para promover a saúde mental e o bem-estar de alunos e alunas. Nesse contexto, as famílias também exercem papel fundamental para que as alterações de comportamento em casa sejam observadas e o diálogo, estabelecido. É um esforço conjunto para que os adolescentes se sintam acolhidos e não, julgados.

Não temos aqui a pretensão de esgotar o tema, que é tão complexo, mas de abrir o debate e a reflexão para um assunto que necessita de algumas intervenções, sobretudo diante da realidade violenta dos últimos tempos no Brasil. Discutir a importância de se trabalhar com projetos que estimulem as relações interpessoais e promovam uma cultura de respeito às diferenças, é uma de nossas metas.

Com 30 anos de carreira, a professora Maria Carolina Biscaia, de Língua Portuguesa, percebeu que as questões emocionais começaram a ter um valor que não tinham no passado. “Se um aluno rasgasse a calça na Educação Física, por exemplo, só os colegas de classe ficavam sabendo. Hoje em dia, tudo vai para as redes sociais”, diz a educadora, que dá aula para o 7º ano no Santa Maria.

Maria Carolina sentiu uma intolerância muito grande em sala de aula, após a pandemia. “Considerando que depois de tanto tempo em casa, eles cresceram, o uniforme não servia mais, eles perderam o hábito de usar calçado e as mudanças físicas não correspondiam à imagem que eles tinham dois anos antes, voltar para a escola foi um desafio muito maior para os estudantes do que para os professores. Pensei: vamos turbinar o trabalho sobre bullying”, conta a professora.

Maria Carolina Biscaia

PESQUISA TABULADA

Para dar mais suporte ao trabalho, a professora Maria Carolina, juntamente com o setor de orientação educacional da série, fez uma pesquisa on-line e anônima com todas as turmas do 7º ano, um total de 163 estudantes. Essas foram algumas perguntas:

– Você considera que já praticou bullying na escola?

– Já ouviu algum colega sofrendo bullying?

– Fica à vontade para falar com algum professor se tiver presenciado uma cena de bullying?

– Que tipo de mal-estar você acredita que uma vítima de bullying pode desenvolver?

– Acredita que a vítima de bullying (agredido) pode se tornar um agressor no futuro?

Algumas respostas à última questão foram bem diretas:

– Pode se tornar um agressor por guardar rancor e querer se vingar;

– Essa atitude está errada, pois se ele sofria bullying, tem que pedir para o colega parar; se não parar, falar com a mãe/pai ou com o coordenador do colégio porque isso acaba com a autoestima.

A opinião dos estudantes confirma que o problema necessita de um trabalho preventivo e com olhar para as consequências futuras. Trabalhar preventivamente é cortar o mal pela raiz.

INTERVENÇÃO

“As famílias estão cada vez mais preocupadas com a saúde mental dos seus filhos e nós também, como instituição. Percebemos que os alunos têm demonstrado significativamente as suas fragilidades e dificuldades relacionais. Nossas frentes de trabalho não são somente as habilidades cognitivas, mas também as socioemocionais, pois não há como negligenciá-las. É por isso que desenvolvemos ações e projetos educativos para cuidar dessas habilidades”, explica Luiz Machado, coordenador pedagógico e orientador educacional do 7º ano.

“Na medida em que surgem demandas de casos de depressão e ansiedade, por exemplo, temos que compor essa rede de apoio multidisciplinar que assiste esse estudante em sofrimento. A escola procura favorecer a socialização e a sensação de pertencimento. Com relação à violência que tem sido noticiada em outras instituições, é natural que exista uma preocupação em saber o que a escola tem feito para lidar com tudo isso. Há situações que são inusitadas e necessitam de mediação imediata, é claro, mas aqui no Santa Maria existem projetos realizados desde a Educação Infantil, cada qual com a sua particularidade e valores aplicados, que vão justamente ao encontro da estruturação e do desenvolvimento das habilidades socioemocionais”, conclui o educador.

Luiz Machado

Mas o que são essas habilidades tão faladas atualmente? É simplesmente saber lidar com os conflitos, e a escola vai dar os instrumentos necessários para esse aluno ou aluna aprender como reagir em determinadas situações, desde a primeira infância.

Um bom exemplo é o de Natalia Savioli, do 7º ano. Ela nos conta um caso de bullying quando tinha 7 anos de idade. “Julgaram meu peso, meu cabelo, meus dentes…Na época eu não entendia o que estava acontecendo, mas depois fui entendendo, e falei com minha mãe e com minha irmã. Elas me aconselharam a pedir para a pessoa parar e, se não parasse, para falar com o professor”.

Hoje em dia, Natalia está mais segura e, quando sente que existe algum tipo de provocação, ela se afasta. Laila Savioli, mãe da aluna, conta que sua filha teve algumas questões no ano passado. “Houve uma mudança de comportamento na turma em que ela estava, o que causava um pouco de ansiedade. É um grupo que já vinha com ela há muitos anos no Colégio, mas algumas colegas ficaram mocinhas muito rápido, e a Natalia ainda estava muito menina”, explica a mãe, que é psicóloga há 28 anos.

“É nesses momentos em que o adolescente começa a ter sintomas de ansiedade, que entra o papel da família e da escola também. No exemplo que eu dei, não é que a outra turma estava errada, mas é a Natalia que estava vivendo um outro processo. O olhar da família de contenção e de suporte é importante para que a gente possa conduzir o adolescente, cujas emoções ficam exacerbadas, ainda mais depois de uma pandemia”.

A estudante Laura Pavarin, do 9º ano, diz nunca ter se sentido provocada na escola. “Nunca sofri bullying, mas já vi amigas minhas sofrerem. Tenho uma amiga que já foi chamada de baleia. Quando eu vejo alguma coisa acontecendo, eu incentivo minhas amigas a falarem que não se sentiram bem, que não acharam isso legal. Não acho certo elas ficaram caladas diante de uma situação que as incomodou”, afirma.

A IMPORTÂNCIA DA CIDADANIA DIGITAL NO DESENVOLVMENTO DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

Com o aumento do uso das redes sociais, controlar o que acontece fora do ambiente escolar é impossível, mas educar o estudante para que ele tenha responsabilidade no ambiente digital é um trabalho que o Santa Maria vem fazendo há anos. Dentro dessa perspectiva, é lá no Ensino Fundamental I que tudo começa para que, ao chegar na adolescência, este aluno ou aluna saiba exercer a cidadania digital e aprenda a se proteger também. “O comportamento que uma pessoa tem no mundo virtual, vai refletir nas suas ações e consequências no mundo físico. É preciso entender que, tanto com o celular na mão como em uma conversa presencial, a atitude deve ser a mesma, não tem mais como separar os dois mundos”, afirma Ághata Lima, supervisora de tecnologia educacional do Santa Maria.

“Os alunos têm feito mau uso das mídias sociais e acabam tornando-se reféns da sua própria ação e, consequentemente, vulneráveis emocionalmente”, complementa Luiz Machado.

RELAÇÃO DE CONFIANÇA

Na convivência, dentro e fora do ambiente escolar, poder falar e ser ouvido é fundamental. Alguns conflitos são comuns quando o adolescente coloca certas questões que parecem pequenas para o adulto. “Uma pessoa em situação de desespero necessita de uma palavra de conforto e de ser ouvida, ainda que o ‘problema’ em questão seja a roupa que ela vai usar na festa do final de semana”, explica a professora Maria Carolina.

Situação semelhante relata Karina Pavarin, mãe da Laura. Houve um tempo em que ela percebeu que mãe e filha não estavam na mesma sintonia. “A gente fala que isso faz parte da adolescência. ‘Mas você não entende, não sabe o que eu sinto’, ela dizia…E aí aconteciam os conflitos normais, e um pouco antes da volta às aulas presenciais, a Laura começou com a terapia. Hoje ela faz apenas duas sessões por mês. É sempre bom quando eles ouvem um profissional”, diz Karina.

“Eu sempre digo que a escola é um lugar de segurança para o aluno/aluna e que a insegurança está na rua. A escola tem que ser um lugar de acolhimento, onde existem profissionais para trabalhar com o estudante. A escola tem técnica, tem ciência, é um lugar de fala”, conclui Maria Carolina.

Saiba Mais!

  • Segundo a professora Maria Carolina, o aluno com muita habilidade intelectual e menos habilidade social, fica mais vulnerável. Já o estudante com alto rendimento no esporte, mesmo que não tenha o mesmo resultado em sala de aula, torna-se mais popular e menos exposto. “Popularidade escolar” é a junção da habilidade física com a intelectual.
  • A pesquisa realizada com as turmas do 7º ano apontou que 74% dos estudantes já foram vítimas de bullying, mas somente 0,93% reconheceu que já praticou. Temos aí uma constatação: é muito mais difícil admitir a prática de bullying do que declarar a agressão sofrida. Há muito trabalho a ser realizado nesta geração!
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