Desde a série inicial, estudantes da EJA usam tablets em sala de aula; equipamentos têm contribuído no processo de aprendizagem.
Autoria: Alessandra Seidenberger – Departamento de Comunicação do Colégio Santa Maria
Não é de hoje que o Brasil enfrenta a baixa escolaridade e o analfabetismo, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Dados do IBGE de 2020 apontam um índice de 13% no Nordeste e de 7,2% no Norte, caindo para 5,1% no Centro-Oeste, 4% no Sudeste e 3,8% no Sul. Grande parte da população que não sabe ler e escrever tem mais de 24 anos de idade, de acordo com a pesquisa. As razões são diversas, como falta de estrutura e desigualdade social, o que leva grande parte dos jovens a deixar a escola para trabalhar e ajudar nas despesas da família. Em muitos casos, voltar a estudar passa a ser um sonho distante que perdura por muito tempo.
É nesse contexto que o trabalho da Educação de Jovens e Adultos do Santa Maria (EJA) vem desempenhando um importante papel ao longo dos anos. Estão matriculados hoje cerca de 500 estudantes de todas as faixas etárias acima de 18 anos, muitos deles migrantes de diversas regiões do país. O curso é gratuito e semestral, desde a Alfabetização (Ciclo I) até o Ensino Médio.
Desde que a pandemia surpreendeu a todos e exigiu um plano B para que as escolas pudessem continuar o seu trabalho, o uso da tecnologia foi inevitável. Mas quando se fala em uso de notebooks, smartphones, tablets e netbooks, no contexto da educação regular, é algo que faz parte do cotidiano da maioria das crianças e adolescentes que frequentam uma escola particular. É como dizer que não é exatamente uma novidade para este público assistir a uma live, estar conectado com os amigos, com os professores, digitar textos e se reunir em um grupo pelo Google Meet. E mesmo assim, a logística para dar conta de tudo isso foi desafiadora para a escola como um todo; imagine com as turmas que vivem em um contexto completamente diferente e uma realidade em que se trabalha durante o dia em serviços pesados, onde não se tem acesso a um notebook em casa, à internet… Difícil, não é? Mas eles conseguiram!! Foi com muita paciência e determinação que, dia após dia, os alunos superaram a dificuldade de acompanhar as videoaulas pelo WhatsApp, fazer as lições, fotografar os exercícios do próprio celular para a professora e tirar as dúvidas nos grupos formados para essa finalidade.
NOVO TEMPO
Com a volta à sala de aula em 2021, um novo momento e novas possibilidades se abriram aos alunos que sonham com a autonomia de quem sabe ler e escrever, fazer contas, interpretar um enunciado, jogar games educativos…GAME é a palavra-chave aqui, que tem sido uma das abordagens das professoras das turmas iniciais do Ciclo I (equivalentes ao 1º e 2º ano do Ensino Fundamental). Há cerca de um ano e meio, a professora Rosilene M. Arriola, do 2º ano, propôs introduzir os tablets para que fosse possível utilizar recursos visuais que auxiliassem na compreensão de algumas palavras. “Eles lêem e decodificam, mas muitas vezes não compreendem o que estão lendo”, explica a educadora.
Fernanda Miura, professora do 1º ano, relata que há grupos heterogêneos nas salas, o que representa um desafio a mais para ensinar. “Alguns só reconhecem as sílabas, outros conseguem ler palavras”, relata. No 2º ano, onde o processo de alfabetização é sistematizado, há grupos que já estão lendo frases, mas outros ainda requerem mais atenção. Por este motivo, as professoras desenvolvem atividades específicas para cada grupo. Com o suporte do Núcleo de Educação e Tecnologia Educacional (NETi) do Colégio, a equipe pedagógica da EJA passou por um treinamento para desenvolver os jogos utilizando uma série de ferramentas.
“Temos alunos que chegaram aqui sem reconhecer as letras, faltava estímulo metacognitivo, é como se agora eles tivessem recebido ‘um start’ no cérebro”. Já ouvi um aluno dizer, emocionado, que conseguiu ler uma placa no ponto de ônibus”, conta a professora Fernanda.
“Todo professor deveria ter a experiência de pisar no chão da sala da EJA. As pessoas estão ali com os olhos e os ouvidos muito atentos a nós!” Rosilene Arriola
O processo de criação dos games ocorreu a partir da percepção da equipe de que não havia muitas opções para o público adulto. “Era tudo muito infantilizado, com brinquedos, mamadeiras, chupetas. Nós procuramos a Ághata, supervisora de tecnologia educacional, e foi aí que ela nos apresentou o Kahoot, o Wordwall, e nós começamos a montar os jogos de acordo com o interesse deles”, conta Rosilene. O objetivo é formar palavras e frases que façam parte do cotidiano dos alunos. “Eles se sentem superimportantes de trabalhar com o equipamento do Colégio, que requer cuidado para utilizar. Além disso, para usar o tablet, o estudante precisa prestar atenção em muitas coisas ao mesmo tempo, o que também ajuda no desenvolvimento deles”, conclui a professora Fernanda.
Valéria Feitosa da Silva tem 29 anos, entrou na EJA em agosto, no 1º ano, e já está apresentando evolução. Nascida em Juazeiro do Norte (CE), ela parou de estudar na 2ª série do 1º Grau (atual 3º ano do Ensino Fundamental) para trabalhar na roça, e nunca mais voltou para a escola. Nesses dois meses, Valéria comemora ter conseguido decorar o CPF dela. “Fiquei muito feliz, e já consigo também escrever algumas palavras”, conta. Foram tantos anos de afastamento que a aluna não se lembrava mais o que aprendeu quando criança. Ela sabia no máximo escrever o próprio nome. Quanto ao uso dos tablets, Valéria já se sente muito mais segura. “A professora passa as atividades de jogos e letras, e eu treino em casa”. A estudante tem o próprio tablet e recebe os exercícios no grupo da sala de aula. São links dos jogos que a professora disponibiliza pelo WhatsApp, o que possibilita a todos os alunos acessarem os games do próprio celular.
Avó de alunos do Santa Maria, Nilda Laura Andrade, 57 anos, está muito satisfeita com o trabalho da EJA. Ela interrompeu os estudos na 2ª série, assim como a Valéria, e conheceu a escola através dos netos. “É o primeiro ano da D. Nilda no Santa. No primeiro dia de aula, ela me reconheceu porque eu fui professora de um dos netinhos dela, no Ensino Fundamental. Eles ajudam a avó brincando de passar lição para ela”, conta Rosilene. Com apenas dois meses de aula, Nilda já foi apresentada à tecnologia. “Eu gosto de jogar e acertar as palavras”. Quanto aos netos, ela relata que eles ajudam, mas também corrigem. “Quando eu escrevo com uma letra não muito bonita, o mais novo fala assim: ‘essa não está legal, vó, faz de novo’, então eles me apoiam bastante!”.
Aluno do 2º ano, José Nunes da Silva, 37 anos, trabalha como zelador. Ele se matriculou na EJA em 2019, mas ficou alguns períodos em viagem e não podia acompanhar as aulas. José não era alfabetizado e tinha dificuldade no trabalho; por só reconhecer números, era difícil entregar as correspondências para os moradores. Este ano ele teve um grande salto com o uso da tecnologia nas aulas. “Fui assinar um contrato de uma operadora de celular, e tinha que ser no tablet. Precisava escrever o nome completo e eu disse para o vendedor me dar a caneta que eu já sabia como fazer”. A professora Rosilene explica que com o uso das canetas, melhorou muito o movimento de “pinça” na hora de escrever. “É a coordenação motora que eles precisam ter na hora de escrever com letra cursiva. O tablet ajudou muito nisso porque há atividades em que o aluno precisa arrastar palavras para formar frases, organizar as letras”, explica.
VISITAS À BIBLIOTECA
Ler é uma nova aventura para este público de estudantes ávidos pela aprendizagem. Em semanas alternadas, as turmas do 1º e do 2º ano vão à biblioteca durante a aula, acompanhadas pelas professoras. Ali os alunos têm a oportunidade de emprestar livros adequados ao nível de aprendizagem deles, de assistir a vídeos e também fazer uso da tecnologia. Com a reforma da Biblioteca Padre Moreau, os Chromebooks passaram a fazer parte do espaço, agora mais diversificado e amplo. “Eu percebo que os alunos não têm muita dificuldade com o uso dos equipamentos, e os professores estão sempre auxiliando. Eles têm levado as turmas com mais frequência à biblioteca; ainda assim, os alunos manifestam muito interesse pelos livros por estarem em uma fase inicial da leitura”, conclui a auxiliar de serviços bibliotecários, Daisy Venâncio da Silva.