De forma remota ou presencial, a programação pedagógica está sendo cumprida à risca, mas esses tempos estranhos à antiga normalidade exigem atenção especial aos relacionamentos. Por que não estudar matemática em um ambiente aberto ao diálogo e à reflexão?
Autoria: Roberto Wagner Carbonari, professor de Matemática do Ensino Médio
“(…) o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. (…) É um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro.” (Paulo Freire, em Pedagogia do Oprimido, 2010, 49a Ed., p. 91)
Em março de 2020, de uma hora para outra, entramos numa pandemia. O que parecia ser rápido virou eternidade e parece que não acaba nunca. Tivemos que fazer coisas que jamais havíamos imaginado: trocar rotinas pelo inusitado, certezas pela insegurança, experiências solidificadas pelo novo, horas marcadas por trabalho sem fim, proximidade por distanciamento, olho no olho numa convivência no coletivo e ao vivo e em cores por uma tela fria, excesso de conversas por silêncio, presencial por remoto, onde uma comunicação se estabelece e em instantes desaparece como num passe de mágica.
O que parecia impossível se torna real e denuncia a verdadeira distância. O respeito em não deixar o outro falando sozinho agora é realidade, não falta de respeito. E é assim e com esses elementos que precisamos construir o novo, o desconhecido, o que há pouco tempo parecia inimaginável.
Como fica então o vínculo professor-aluno nesse novo normal?
O caminho de construção precisa ser reinventado, mas preservando o carinho, o respeito, a compreensão, o diálogo e temperado com muito distanciamento social. Investir numa proximidade à distância, regada de confiança. Construir vínculos, que antes surgiam quase que naturalmente, agora precisa ser considerado como intencionalidade, algo a ser colocado como meta, como objetivo dentro do trabalho a ser realizado com os jovens no Ensino Médio.
Como tenho tentado fazer isso? A cada aula o cumprimento “bom dia”, que muitas vezes era uma formalidade, agora precisa ser algo bem verdadeiro e sempre vem acompanhado de “vocês estão bem”? E fica meio inevitável o retorno da pergunta por parte de muitos alunos e alunas. Algumas vezes aparecem questões sobre familiares e num diálogo rápido, mas que aproxima. A compreensão de não terem feito alguma atividade na semana que foi atribulada de muitos afazeres vira elogio e compromisso para que então a façamos agora e com dedicação.
O ambiente em que minha aula remota acontece também tem me ajudado bastante: um sítio de verdade, com galinhas, vacas, gansos, cavalos. Tenho utilizado alguns elementos desse espaço nas aulas como, por exemplo, o tanque cilindro de resfriar o leite, que faz parte de conceitos da Geometria Espacial, presente no currículo.
Outro dia, durante a aula, uma galinha não parava de cantar ao fundo e um aluno, ao final, falou: “Posso perguntar algo que não tem nada a ver com o assunto?” Respondi que claro que sim e que tudo pode fazer parte do assunto, e ele então perguntou: “É verdade que tem ovo com duas gemas?”. Desta pergunta surgiram coisas superinteressantes, como a diferença entre ovo galado e a maioria dos ovos consumidos numa grande cidade como São Paulo, provenientes de granjas onde as galinhas ficam isoladas em gaiolas. Alguém pode até falar que não faz parte do currículo de Matemática, mas aproxima, humaniza e faz bem na construção das relações em momentos tão difíceis.
Numa aula apareceu como assunto “vínculo”, e pedi que quem quisesse poderia escrever um parágrafo sobre como estamos construindo nossos vínculos na pandemia.
Os textos produzidos contagiam e alimentam a alma, demonstram a importância dos vínculos criados entre as pessoas em qualquer situação, mas especialmente em tempos de pandemia. São facilitadores e extremamente relevantes na vida de qualquer ser humano. Os relatos falam da confiança, de preocupar-se com o outro, da união, do respeito ao outro, do diálogo, do saber ouvir, do bom humor, do incentivo e da valorização do outro, da importância de brincar, de sorrir, de ser feliz, da proximidade, da gentileza, do carinho, da amizade e intimidade.
Espero que cada ser humano acredite e valorize o fortalecimento dos vínculos entre as pessoas para uma melhor vida em sociedade!
O que pensam alunos e alunas
“Vínculos são sobre vulnerabilidade. Se permitir ser vulnerável com alguém, falar sobre o que lhe tem incomodado, assustado ou chateado. Se permitir chorar e se frustrar sem medo de ser julgado. E creio que quando todos estão tão sobrecarregados com o isolamento e com as mortes do dia a dia, todos estamos nos permitindo ser vulneráveis, porque sabemos que, em algum nível, temos uma dor em comum e distância alguma pode barrar o conforto de saber que a sua dor é compartilhada. É bom ir à chamada de vídeo para assistir à aula sabendo que tanto os meus colegas quanto meus professores estão tentando ao máximo ficar bem em tempos difíceis para o aprendizado e para nossa saúde.” – Kalani Eli Breno Klinke
“… suas aulas se tornam divertidas por causa do vínculo criado nelas. Isto é, desde perguntar como foi nosso dia, até tirar um tempinho no final para realizar o incrível pedido, mesmo que aparentemente nada tem a ver com a aula…” – Bruna Trotta Fairbanks
“Vínculo, para mim, é aquilo que une duas pessoas. Durante a vida de uma pessoa qualquer, são os vínculos que ela tem com os outros indivíduos que acabam por dar sentido à sua vida. Quando um professor fortalece os vínculos com o aluno, através de pequenas brincadeiras e do tratamento gentil e amigável, acaba-se por dar mais sentido ao que será aprendido, e a experiência dentro da sala de aula (ou do Meet) se torna muito mais agradável. Sem esse vínculo talvez fosse impossível, para muitos alunos, despertar um interesse sobre o conteúdo, ou até adquirir a coragem para perguntar algo. Pessoalmente, eu não acho que eu daria a mesma atenção às aulas se não fosse esse vínculo criado pela sua forma de interagir comigo e com outros colegas. Por fim, gostaria de agradecer pela forma como você age durante as aulas.” – Diego Caxambu de Araujo
“Ao mesmo tempo que queremos ficar com nossos amigos nessa última etapa do Ensino Médio, ficar em casa é uma forma de protegê-los e algumas simples ações conseguem manter esse vínculo vivo. Bom humor e palavras de incentivo é o que me vem à cabeça sobre meu professor de Matemática, que é o exemplo de alguém que ajuda a manter esses vínculos, que mesmo com os obstáculos das aulas presenciais com protocolos e aulas online, traz uma positividade para as aulas e sempre busca criar esse bom vínculo com seus alunos, fazendo a matéria ficar mais leve e o convívio, mesmo de longe, seja pleno entre professor e estudantes. Eu gosto disso.” – Mariana Nascimento Magalhães
“Diante de tempos de isolamento e distanciamento social, é muito importante manter e criar vínculos, e isso em todos os âmbitos, seja entre colegas de escola, de trabalho, entre chefes e professores. Em um ambiente de aprendizado online, esse vínculo tão importante entre professor e aluno, antes tão presente, se torna mais difícil e distante. Por isso, sinto que os professores do Santa Maria têm feito um ótimo trabalho em relação a isso, com dinâmicas diferentes e brincadeiras sadias, que não atrapalham no andamento da matéria e que reforçam essa conexão entre professor e aluno. Que bom que tenho professor que tem conseguido criar fortes vínculos com alunos e deixar esse ambiente de aula a distância mais leve e muito mais pessoal, aliviando um pouco a distância territorial.” – Guilherme Franco Munhoz
“Antes de qualquer coisa, eu quero agradecer pelo que você falou ontem sobre mim. Eu fico muito feliz de você sentir meu carinho. Pessoalmente, acho que gentileza é um ponto muito importante nos vínculos de qualquer tipo e conseguir ter essa troca com os colegas e com você é muito bom. Eu realmente sinto muito isso nas aulas. Estamos vivendo um momento muito denso pra todo mundo e ter esses pequenos momentos e ações de descontração e gentileza, faz uma diferença bastante expressiva. Para mim, vínculo em grande parte é ter essa relação de carinho e consideração uns com os outros. Muito obrigada mais uma vez por abrir esse espaço de reflexão.” – Ana Carolina Navarro Saito
“Acredito que uma aula flui com maior facilidade a partir do momento em que a relação aluno/professor vai mais além disso. Criamos um vínculo tão forte com ele que suas aulas eram muito mais do que somente explicação de matéria e realização de exercícios. Foi capaz de nos ensinar de forma clara, apesar da distância, e sempre foi paciente quanto às nossas dificuldades. Sou grata pela forma como ele conseguiu fazer de uma coisa ‘obrigatória’ algo divertido. Ele sempre fez o possível para tornar as aulas mais dinâmicas, desde mostrar cavalos até usar frutas como método de ensino. Concluindo, creio que um vínculo criado com um professor é tão importante quanto um criado com amigos, torna as aulas mais leves e mais animadas.” – Caroline Scavone
“Intimidade é a relação de confiança que se estabelece com alguma pessoa, é descobrir seus medos, suas desconfianças, e ainda sim, ficar perto. É confiar em uma pessoa para contar um segredo e trocar histórias, alguém que se confia em diferentes graus, gênero, dependendo da pessoa. Intimidade é o que mantém a sociedade única com a certeza de lembranças boas e que nos dá confiança para dias melhores…” – Rebeca Guimarães dos Santos