Lecionar na primeira infância vai além da formação acadêmica; você vai ver neste relato quais são as experiências vividas desde a infância de uma professora, que se tornaram combustível para sua atuação em sala de aula
Autoria: Gabriela Marques – Professora do Jardim II
Minha história no Colégio Santa Maria começou quando eu tinha seis anos de idade. Vista pelos meus pais como uma criança “sapeca e levada”, felizmente, tive a oportunidade de vivenciar a infância de uma forma leve, prazerosa e feliz. Corria pelos bosques do Colégio de pés descalços, subia nos montes de areia, escalava brinquedos altos, e gostava de ficar de cabeça para baixo. Construí relações que carrego comigo até hoje e vivenciei experiências que foram importantes para a construção da minha identidade, me permitindo criar as minhas próprias marcas.
Ao longo da minha trajetória, carregava em meu peito a vontade de lecionar. Dava aula para as bonecas, ursinhos de pelúcia, e até para os meus pais. Mal imaginava que o destino já tinha se encarregado de realizar o meu sonho!
Meu primeiro emprego como Jovem Aprendiz foi no Colégio Santa Maria. Diante das grandes janelas da secretaria, diariamente eu via o movimento de ida e vinda das crianças, correndo, pulando, brincando. Uma contemplação diária que se tornou um fator crucial para decidir o que já estava decidido em mim: ser professora.
Eu idealizava o sonho de “ser professora da infância no Santa Maria“; todas as vezes que pisava naquele chão gramado, sentia o cheiro da natureza e ouvia o vento bater nas folhas e, mesmo às vezes tentando me desviar, algo me trazia novamente para esse lugar. De Jovem Aprendiz, fui auxiliar de escritório e, ao deixar visível o meu desejo de fazer parte da área pedagógica, eu ganhava novas oportunidades, até que me tornei auxiliar de classe na Educação Infantil.
Depois de alguns anos sendo parceira, vivenciando a jornada junto às crianças, auxiliando, estudando, aprendendo e ampliando cada vez mais o meu olhar e o trabalho pedagógico, recebi uma proposta para exercer o papel de educadora em outro lugar, outro ambiente e com outras pessoas.
Ouvi da minha orientadora, Eline Lima: “você vai voar um pouco, mas todo passarinho volta para o seu ninho”. E, então, depois de um ano eu voei, mas voltei para o ninho! Como o poeta Manoel de Barros diz: “o olho vê, a lembrança revê…” e, ao fechar os olhos, rever as lembranças, resgatar as memórias afetivas e visualizar uma infância repleta de vivências significativas, eu penso no meu ofício como professora. Ao reviver as minhas memórias quando criança, principalmente como ex-aluna do Santa Maria, eu me pergunto: o que eu quero para os meus alunos hoje?
Quero o “olhar além”, além da escola, da família, do adulto, do aluno “idealizado”. Quero investir no potencial do meu aluno (a), assegurar a ele (a) um lugar de pertencimento em seu meio social, para que se sinta respeitado, amado e acolhido, a ponto de despertar o desejo de investir em si mesmo e o desejo de pensar e aprender.
E então, falar sobre ser professora da infância é falar sobre afetividade!
Relações de afeto estabelecidas fora do lar
O ser humano constitui a sua identidade como sujeito, a partir de suas relações com o outro e com o meio. Desde o ventre da mãe, a criança que foi desejada, rodeada pelo afeto dos pais, buscará sempre reconhecimento e ternura. Ao ingressar na escola, ela começa um novo período da vida fora do seu ambiente de conforto, tendo que se adaptar às transformações físicas e à vivência social, passando a se relacionar com os seus pares e a criar laços no espaço em que está inserida. Seu desenvolvimento está inteiramente ligado ao lado afetivo, ou seja, de como se dará a relação consigo mesma, com outras crianças e com o ambiente escolar como um todo.
Segundo Piaget, o afeto desempenha um papel essencial no funcionamento da inteligência, ele diz: “a vida afetiva e vida cognitiva são inseparáveis, embora distintas. E são inseparáveis porque todo intercâmbio com o meio pressupõe ao mesmo tempo estruturação e valorização”. Isto quer fizer que aquele que não vivencia o sentimento, não se relaciona. Não ter afeto ou não sentir a reciprocidade do sentimento do outro, não desperta o desejo, o interesse, a necessidade e a motivação pela aprendizagem.
“Quando eu crescer eu vou ficar criança” – Manoel de Barros.
Portanto, que sejamos como crianças, intensas, cheias de verdade, alegria, afeto e pertencimento.