Fuvest 2026 aponta novos rumos com a ampliação dos gêneros textuais. O currículo do Ensino Médio no Santa Maria, que foi reformulado em 2020 a partir das diretrizes da BNCC, já prepara os alunos para esta diversificação.
Autoria: Adilma Secundo Alencar – Professora de Língua Portuguesa do Ensino Médio
Em dezembro do ano passado, a Fundação para o vestibular da Universidade de São Paulo (Fuvest) publicou na sua plataforma um documento anunciando o Programa Fuvest 2026. Nele, a instituição divulgou as mudanças previstas para o próximo vestibular. Das novidades apresentadas, chama a atenção a mudança do gênero textual que será exigido para 2026.
As alterações no formato dos vestibulares têm sido acompanhadas pelos colégios com muita atenção, sobretudo nas instituições privadas, pois grande parte do seu público fará curso universitário. Logo, é comum que as escolas façam escolhas pedagógicas a partir de decisões da Fuvest. Livros paradidáticos, simulados e modelos de prova são escolhidos a partir dessas mudanças.
No Colégio Santa Maria, não temos um ensino voltado exclusivamente para o vestibular. Nosso objetivo pedagógico é mais ousado – extrapola as dimensões propedêuticas do saber. Nossa intenção é formar cidadãos críticos e curiosos diante da novidade do mundo. Esse intento não exclui a preparação para os processos seletivos. Temos um módulo organizado apenas para esse fim, o que nos fez acompanhar com interesse e criticidade a divulgação feita no final do ano passado.
Logo após a realização da segunda fase da Fuvest 2024, a Fundação para o Vestibular da Universidade de São Paulo divulgou um documento no qual afirma que:
“A proposta de Redação [2026] poderá requerer a elaboração de mais de um gênero textual em que se evidenciem traços composicionais distintos daqueles esperados nas dissertações tradicionais”.
Apesar da imprecisão do período, é evidente a mudança; a redação dissertativa-argumentativa perdeu sua soberania. O anúncio é um alento para os professores de Língua Portuguesa, ao menos para aqueles que acompanham as mudanças sociais do nosso tempo.
Escrever exaustivamente a estrutura de um gênero textual exigido apenas no processo seletivo universitário não garante proficiência leitora e escritora, mas a memorização de uma estrutura e a repetição de ideias, que nem sempre são dos estudantes. Ao sinalizar que poderá requerer mais de um gênero, a instituição aproxima-se do vestibular da Unicamp, no qual o estudante pode escolher uma das propostas de texto disponibilizadas na prova.
A Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares), responsável pelas avaliações da Unicamp, tem apresentado propostas criativas, nas quais o estudante é convidado a escrever postagens em fóruns, discurso político, texto base para uma palestra escolar, carta-denúncia, manifesto e até post nas redes sociais. A riqueza desse tipo de proposta está na diversidade e circulação social desses gêneros.
A lacuna aberta pela locução verbal “poderá requerer” [a elaboração de mais de um gênero textual] abre espaço para que outros gêneros textuais tenham espaço dentro das aulas, o que já acontece no Santa Maria. Ao não estabelecer previamente o que será exigido, até os famosos “cursinhos” vestibulares terão que diversificar a prática escrita dentro de suas aulas, o que tornará seu ensino mais eficaz.
Se antes o estudante ficava inseguro diante do tema da redação, ao menos a garantia do domínio da estrutura do gênero podia ser previamente construída, visto que há anos ela se repetia. A partir de agora, o desafio será maior, o que os aproximará da experiência do mundo concreto, que nos exige diferentes discursos em diferentes ocasiões. Performance que já é vivida pelos estudantes e que a aula de Língua Portuguesa pode ressignificar a partir da compreensão das engrenagens discursivas, isto é, dar nomes e evidenciar o que já fazemos naturalmente. Isso significa compreender a sintaxe da nossa língua e entender o que caracteriza, por exemplo, a diferença entre um e-mail e uma carta, um ensaio e uma notícia, sobretudo em suas diferentes intenções.
A produção textual nos exames é como uma peneira. É ela, muitas vezes, que decide quem entra e quem fica de fora do curso universitário. Embora essa imagem seja censora e excludente, ela é “mais real que qualquer sentimento”, pois é a linguagem que estrutura nossa inteligência, criatividade e nossas representações hierárquicas. Afinal, não há neutralidade no ensino e no uso da língua, prova disso é que parte da seleção dos exames é exigir o uso formal da língua, o que garante a manutenção do prestígio da norma-padrão em detrimento das variantes, uma relação de poder.
É preciso que o ensino de Língua Portuguesa seja pensado de maneira política, isto é, a partir da compreensão lúcida de que forma é conteúdo.
No Ensino Médio, a proficiência leitora e escritora relaciona-se à capacidade de compreender politicamente o uso da Língua, por isso o anúncio feito pela Fuvest é animador e vai ao encontro da mudança realizada em 2020, quando toda a estrutura de ensino foi reformulada a partir da Base Nacional Curricular Comum. A ousadia do Colégio Santa Maria em colocar em prática as diretrizes do documento têm sido recompensada. Temos um currículo que fomenta pensamento e criatividade, o que tem sido exigência, enfim, dos vestibulares mais tradicionais. Esperemos que nossos alunos e alunos sejam parte desse momento de mudança, afetados e afetando a roda-viva do mundo.