Linguagens, Metodologias Ativas

Brincar/performar é ferramenta para a superação de conflitos

No retorno às aulas presenciais, professores notaram uma certa animosidade no 8º ano, reflexo da falta de convívio imposta pela pandemia. Performances com troca de papeis ajudaram a quebrar barreiras.

Autoria: Victor Fiorotti, professor de Inglês do 8º ano do Ensino Fundamental do Colégio Santa Maria.

Compreender o conflito dentro do espaço escolar como possibilidade formativa entre os mais diversos sujeitos que vivenciam esse tipo de comunidade torna-se essencial para também repensarmos a atuação do professor dentro desse contexto. Ora, se a escola se apresenta aos nossos olhos como o tempo-espaço marcado pela coexistência de diferentes sujeitos pertencentes aos mais diversos meios (Almeida, 2012) e se a constituição da identidade desses sujeitos se dá por meio de um processo contínuo e permanente entre as identidades de si e a identidade para o outro (Dubar, 2005), reconhecemos que o conflito assume uma perspectiva central na própria formação desses estudantes.

Fato é, porém, que no meio do caminho havia uma pandemia. Um longo período marcado pelo distanciamento social e pela própria forma como alunas e alunos passaram a interagir com seus colegas, colocando suas próprias identidades e as do outro em uma nova perspectiva. Como coconstruir uma comunidade de aprendizagem dentro de um espaço virtual, marcado pelo distanciamento físico e visual? Como coconstruir novas possibilidades de identidade social se ainda muitos estudantes não se reconhecem e não se sentem pertencentes a um grupo, a uma coletividade?

O contexto do “novo” convívio

Eis que as aulas voltaram, aos poucos, ao presencial. Aqui, então, começamos a compreender os novos desafios que marcariam a nossa prática docente. Muitos alunos não se perceberam e não foram capazes de se inserir dentro de uma comunidade de aprendizagem, marcada pelo espaço coletivo das ações. Conflitos e desentendimentos começaram a pautar a convivência em sala de aula. Como, então, construir novas possibilidade de agir, viver, sentir dentro de um espaço coletivo? Como superar o conflito para vivenciarmos o inédito-viável (Freire, 1970), onde novas alternativas emergem a partir de situações-limite que se impõem ao longo de nossas vidas? Por fim, como reconhecer o outro como constituinte da minha própria identidade?

Nesse contexto, os professores das turmas do 8º ano do Ensino Fundamental II do Santa Maria logo perceberam que as aulas estavam sendo atravessadas pelos mais diversos conflitos e que alunas e alunos estavam enfrentando dificuldades para se perceberem como um grupo coletivo, pautado pelo respeito e pela pluralidade dos pensamentos dos mais diversos sujeitos. A equipe docente, então, recorreu ao brincar/performar como alternativa metodológica.

É lúdico, mas profundo

Conforme apontam Newman e Holzman (2002 apud Lobman; Rich; Zeng; Sanyal, 2020, p. 365), o brincar/performar permite que os estudantes criem “possibilidade de reconstruir suas identidades e criar novas formas de agir” e possam ir além das alternativas imediatas dadas pelo contexto, sendo capazes de desenvolver um pensamento crítico, reflexivo e criativo.

Na atividade proposta, as turmas formaram duplas e pares com colegas que possuíam maiores conflitos ou menor relacionamento dentro da sala de aula. Cada dupla recebeu um pequeno papel, com uma cena teatral baseada em uma situação de conflito real, já vivenciada pelo grupo. Os papeis indicavam a cena (conflito), os sujeitos participantes e trazia a pergunta: como resolver?

As duplas, então, foram instigadas a performar aquela cena, assumindo-se em outros papeis, para todo o grupo. Quem se rotulava como “bom aluno” se posicionou como aquele que se identificava como “mau aluno” e vice-versa. Alguns atuaram como professores e coordenadores. Com essa técnica, os estudantes puderam promover a imersão (Liberali, 2021) na realidade vivida.

Daqui para frente…

Na sequência, trabalhamos a reflexão sobre a imersão da realidade, ou seja, as performances realizadas. Solicitamos palavras-chave e sentimentos que representassem o momento vivenciado, a fim de construir as primeiras generalizações críticas sobre as cenas/conflitos. Por fim, assumimos um compromisso coletivo com o bem-viver da sala e escrevemos, conjuntamente, algumas ações para nos guiar como estudantes para a promoção do respeito e do convívio dentro do espaço escolar.

Notamos que os estudantes foram capazes de assumir outros papeis e reconhecer no outro a possibilidade da construção da própria identidade/subjetividade. Acreditamos que os conflitos não terminaram, mas que esta escolha metodológica se assumiu como uma potente ferramenta para o nosso fazer docente.

Alguns depoimentos

“Eu senti na dinâmica uma coisa boa por fazer o trabalho com pessoas que eu não tinha a oportunidade antes, como a Duda, por exemplo. Eu acho que a partir de agora poderíamos ter mais trabalhos com a turma misturada” – Gabriela Prada (8º E)

“No dia da atividade, eu senti felicidade, pois estava esperando uma discussão e, no final do exercício, vi que estávamos todos felizes. Na minha opinião, acho que poderíamos ter mais atividades com a sala toda misturada” – Eduarda Gazzoni (8º E)

Referências

ALMEIDA, Laurinda Ramalho. Contribuição de Henri Wallon para o trabalho do coordenador pedagógico. In: PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza; ALMEIDA, Laurinda Ramalho (org.). O coordenador pedagógico: provocações e possibilidades de atuação. São Paulo: Edições Loyola, 2012, p. 81 – 102

DUBAR, C. Para uma teoria sociológica da identidade. In. DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 133 – 161.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.

LIBERALI, F.C. 2019a. Transforming urban education in São Paulo: insights into a critical-collaborative school project. DELTA., v. 35, n. 3. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1678-460×2019350302>.

LOBMAN, C.; RICH, M.; ZENG, C.; SANYAL, I. Performando por um mundo mais humano. In: Liberali, Fernanda Coelho (org.); et al. Educação em tempos de pandemia: brincando com um mundo possível. 1. ed.– Campinas, SP: Pontes Editores, 2020. P. 365 – 372.

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